Quero-Quero sente a inflação, mas continua ganhando share

O modelo de negócios da Quero-Quero é tão simples e sem adrenalina quanto as cidadeazinhas que fizeram a empresa prosperar.

A varejista de materiais de construção e itens para casa — que fez seu IPO há dois anos — é um ‘household name’ no Rio Grande do Sul.  Suas lojas são pontos de encontro das cidadezinhas do interior, e é comum ver senhoras de idade tirando uma soneca numa cadeira depois do almoço.

Nos últimos cinco anos, a Quero-Quero abriu 300 lojas — e, daqui para frente, o plano é fazer mais do mesmo. Serão 70 novas lojas este ano, principalmente no Paraná e Santa Catarina, fazendo a rede atingir 535 pontos de venda. 

Além de investir em tijolos, a empresa tem tentado otimizar o portfólio existente, aumentando a metragem das lojas que performam bem e o número de SKUs. Mais recentemente, o CEO Peter Furukawa, à frente da empresa há 15 anos,  encontrou a fórmula para a transformação digital da companhia. Desde o início de fevereiro, todas as lojas da rede têm um telão onde o consumidor tem acesso virtual a uma prateleira infinita.

Desde o quarto tri, a Quero-Quero está sentindo o impacto da alta dos juros e da inflação na ponta — com uma retração no volume. 

Com isso, a empresa negocia hoje ao múltiplo mais baixo desde o IPO – um P/L de cerca de 14x para 2023. (No IPO, a empresa saiu a 28x.) 

Há duas semanas, o Brazil Journal conversou com Furukawa para um update. A companhia publica seu primeiro tri no dia 2 de maio.

 

Quais os planos de crescimento? Para onde a Quero-Quero está indo?

Temos cinco pilares na Quero-Quero. O primeiro é ganhar share: temos 5% a 7% de fatia de mercado onde a gente está. Então, temos 93% de oportunidade para conquistar onde estamos. Tem muito espaço para crescer. E a gente também cresce ‘mesmas lojas’ remodelando lojas: temos uma loja que chamamos Modelo 1, de 600 metros quadrados, e a gente vai para um Modelo 2, de 800 metros, e depois para um Modelo 3, de 1.200 metros. Mas só mudamos isso de acordo com o potencial da cidade e da equipe de tocar uma loja maior. E isso aumenta o número de SKUs também.

A segunda avenida de crescimento é abertura de lojas. Ano passado abrimos 70 lojas, e este ano nosso objetivo é manter o mesmo ritmo, abrir 70 lojas também. 

Hoje, 70% das nossas lojas estão no Rio Grande do Sul, e o resto Paraná e Santa Catarina, e o foco principal da expansão vai ser nesses dois Estados. Já estamos colocando um pezinho em São Paulo também, mas são poucas lojas e lá no Pontal de Paranapanema. 

Vocês têm tido alguma dificuldade de entrar nesses novos mercados?

O José Galló sempre me falava o seguinte: ‘Quando você for para Santa Catarina, todo mundo vai falar que não vai funcionar. E aí você vai, e vai funcionar. Quando você for pro Paraná, também vão falar a mesma coisa. E aí você vai, e vai funcionar. Contanto que você fique no mesmo perfil de cliente e cidade.’

E é exatamente isso que tem acontecido. Leva um tempo maior as primeiras lojas no Estado? Leva, porque ninguém sabe quem você é. Mas depois vai encaixando e vai crescendo normalmente.

Só faz sentido pra você crescer organicamente, ou faz sentido algum tipo de M&A também?

Essa é uma questão que eu não posso falar nada… (risos).

Olha, a gente já olhou para várias grandes redes e acho que tem poucas sinergias entre os negócios. Tem sinergia, mas não vejo grandes sinergias… E o problema das cidades grandes é que ninguém consegue ganhar dinheiro. Eu falo que é uma briga debaixo da água. Todo mundo dando porrada em todo mundo, mas debaixo da água. É o que eu vejo, pelo menos quando eu olho os números dessas empresas.

Por que você acha que a ação de vocês está onde está? Por que o mercado está te punindo? 

Eu não acho que é uma punição. Quando a ação estava em R$ 25 eu não estava vendendo também… Eu sou um acionista grande, assim como os outros diretores e conselheiros. E todos nós acreditamos no longo prazo, estamos olhando para cinco anos. 

E tem alguns fatores externos. Tivemos uma queda forte quando dois fundos americanos grandes saíram do papel, e com o aumento da taxa de juros, o denominador aumenta e o seu valuation cai também. Isso é normal.

O que eu falei para a minha equipe é que a gente tem um plano de stock option grande. Temos 100 pessoas na empresa que tem um stock option agressivo para cinco anos. Meu raciocínio sempre foi: a gente não tem que ficar se preocupando com a ação. Temos que ficar preocupados com o resultado. 

O mercado tem seus altos e baixos… Quando a ação estava em R$ 25 eu também não entendia aquilo, porque estavam adiantando o valuation. Quando o mercado cai também é difícil você saber. Vamos nos concentrar, fazer nosso trabalho e olhar para cinco anos. Se alguém está chateado e quer sair agora, que saia. Eu estou aqui há 15 anos, e quero estar por mais 10. 

Como a alta de inflação e dos juros tem impactado seu cliente na ponta? Teve queda nas vendas, o pessoal começou a fazer menos reforma?

A gente veio de um crescimento muito grande. Em 2020 crescemos muito, e em 2021 continuamos em patamares altos, de 50%, tanto no top line quanto no bottom line. No quarto trimestre do ano passado fizemos -2% de ‘same store sales’, mas tínhamos crescido 35% no ano anterior. Então, estamos mantendo o share. 

Agora, eu vejo com bastante tristeza o que está acontecendo no Brasil, principalmente com as classes C e D, porque a inflação pega em cheio… As pessoas estão sentindo no bolso essa inflação, e a inflação não é 10% para essas pessoas. E isso está refletindo na gente: temos menos quantidade de vendas e mais preço, por causa da inflação. 

Eu me isolei bastante durante a covid, fui uma daquelas pessoas que realmente se isolou, e fiquei sem ir a São Paulo por muito tempo. Quando voltei a viajar para São Paulo e vi as pessoas morando nas praças… você não via isso antes. Cheio de barracas, um monte de gente morando nas praças, pedindo esmola. Mudou o cenário. Tá pior, tá cada vez pior. E isso afeta o negócio, não tem como não afetar.

Aqui na Quero-Quero nós somos mais influenciados pela agricultura, porque estamos na base do interior. E as commodities, o preço que está é uma piada, é muito dinheiro. Pelo menos estou numa área melhor. Nas cidades maiores, o reflexo é pior ainda. 

O que você tem visto nos últimos meses na ponta?

Desde agosto do ano passado, quando houve aquela grande queda no varejo (e uma queda que atingiu todo mundo), minha sensação é que a coisa está mais ou menos igual. Não está melhorando não. O que eu falei para a minha equipe é que eu acho que esse ano vai ser pior. Quando eu fiz a abertura desse ano eu disse: ‘A gente antes corria com os concorrentes em Interlagos, e agora estamos correndo no Paris-Dakar, mas é o Dakar pra todo mundo, não é só para nós.’  E você sabe: quando o leão tá solto, você tem que correr mais que o resto.  

E estamos correndo.  Continuamos aumentando nosso share nos últimos seis meses, se você olhar os dados da pesquisa mensal do varejo de material de construção feita pelo IBGE.

Nosso primeiro pilar de crescimento é ganhar share; o segundo, abrir lojas. 

E os outros?

O terceiro é excelência em crédito e cobrança. Porque temos uma ferramenta na cidade do interior que é saber dar crédito. Muitas dessas pessoas não gostam de banco – e como eles não veem a gente como banco, a gente financia o varejo para eles. 

O quarto é fazer mais com menos: como somos lojas menores, com uma venda menor por metro quadrado, cada real conta. Então, a gente negocia aluguel, briga por R$ 1.000, R$ 500… estamos lá brigando. É segurar o SG&A, crescer lucro bruto para melhorar o EBITDA. Isso que temos feito.

O quinto é cultura de alto desempenho. Eu vim da McKinsey, e lá tínhamos um programa de recrutamento, era difícil de entrar e depois que entrava trabalhava-se muito. Fazemos isso também e queremos contratar pessoas excepcionais. O nosso CFO saiu disso. Com sete anos de formado, ele é o CFO de uma corporação. Temos um perfil de pessoas diferenciadas e não temos ‘bullshitagem’: é sempre número, número, número…

E o último pilar é esse que lançamos agora, que chamamos de ‘figital’. 

O que é esse modelo de ‘figital’?

Você visita uma Leroy Merlin, uma TelhaNorte… Eu falava para a minha equipe: imagina você pegar um morador de uma cidade pequena como Cambará do Sul e colocar para entrar numa loja dessas. Eles ficariam extasiados, porque tem tanta coisa legal, tanta coisa maravilhosa… Eles não conhecem isso. Mas a gente não pode fazer isso, porque uma loja desse tamanho numa cidade pequena não dá. 

Falando isso numa reunião com nossos gerentes, um deles falou: ‘Vamos fazer isso. Vamos montar só uma loja dessas, colocamos um telão em todas as outras, e a gente deixa o cliente caminhar dentro dessa loja grande, dentro desse telão. Ele pode caminhar nessa loja e ver todos os produtos.’

Desde 1 de fevereiro isso já está em todas as lojas. Fizemos um rollout. E isso está trazendo vendas a mais de produtos que não tínhamos na loja. Mas no interior, as coisas não são iguais na cidade grande. É dia a dia, passo a passo, construindo as coisas aos poucos. Mas esse caminho não tem mais volta. As pessoas vão das cidades pequenas para as grandes fazer compras. O fato de você não precisar ir é um benefício. E somos a única empresa de varejo do Brasil que, se a entrega atrasar, é de graça, porque no interior a sua palavra é importante. Há sete anos que o nosso lema é ‘cumprimos ou pagamos’.

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