A franquia Pokémon Legends já mostrou a que veio em Pokémon Legends: Arceus e se provou tão empolgante quanto os jogos geracionais – vou evitar dizer “série principal”, já que Arceus também é canônico. Legends: Arceus se passa numa época em que a relação entre treinador e Pokémon não era pacífica, o que já faz valer a viagem no tempo pela curiosidade.
Enquanto Pokémon Legends: Arceus se concentra em contar as origens do vínculo primitivo com os Pokémon, Pokémon Legends: Z-A, em contrapartida, retorna à região de Kalos, mais especificamente à cidade de Lumiose, palco dos injustiçados Pokémon X e Y, para explorar a gênese da Megaevolução. Há quem discorde de que X e Y são bons jogos, mas não há como negar a grande importância deles para a série.
A magia de Pokémon Legends é justamente permitir que voltemos às origens para entender melhor o motivo de certas coisas existirem no mundo Pokémon, sendo uma iniciativa louvável da The Pokémon Company. Sejamos francos: ela nem precisava dar um contexto tão profundo às suas criações.
Z-A é sobre batalhas Pokémon
Num contraste quase antagônico ao formato de Legends: Arceus, cujo foco é na exploração, Legends: Z-A é sobre batalhas. Fazendo uma analogia rápida, Z-A está para os duelos de Pokémon assim como Pokémon Let’s Go, Pikachu! e Let’s Go, Eevee! estão para o colecionismo. Fica mais fácil de compreender assim.
O ciclo de gameplay aqui é diferente de tudo que você já viu na franquia: durante o dia, usamos nosso tempo para cumprir missões secundárias, capturar Pokémon nas Wild Zones e explorar a cidade em busca de itens e segredos. Em outras palavras, as tarefas mais, digamos, rotineiras, ficam sempre reservadas ao período diurno.
Quando a noite cai, incorporamos o espírito competitivo para fazer dinheiro, colocando nosso time para jogo em disputas intensas de Pokémon, com aquela sensação de estar fazendo algo ilegal na calada da noite. Afinal, estamos em um beco suspeito, no escuro, com outra pessoa… megaevoluindo Pokémon na Battle Zone.
A vida noturna em Lumiose não só abriga criaturas mais hostis, como também atrai treinadores com sangue nos olhos, prontos para aniquilar o seu time em qualquer esquina. Vale dizer que os encontros para as rinhas de Pokémon não costumam acontecer no mesmo lugar, o que adiciona um fator bem-vindo de imprevisibilidade aos mapas e, sobretudo, aos adversários que você pode encontrar.
O jogo tem um ciclo de dia e noite que funciona bem e dá tempo suficiente para que você conclua suas tarefas em cada período. Não deu tempo de fazer tudo que queria à noite? Sem estresse. É só esperar o anoitecer novamente: basta sentar em um banco da cidade ou retornar ao Hotel Z, seu refúgio, para ter o merecido descanso na sua própria cama.
A transição do dia para a noite, entretanto, requer atenção. Há indicadores que avisam quando a noite se aproxima, e você deve ficar de olho neles. Se você estiver no meio de uma captura, por exemplo, quando a animação da virada de turno ocorrer, há um grande risco de o Pokémon com o qual você está interagindo simplesmente desaparecer da tela. Esquisito, sim, mas é assim que funciona.
Obrigado, Monolith Soft
Logo de cara, a principal mudança vista em Z-A é no sistema de batalha. Por ser uma aventura com forte ênfase no combate, o objetivo é, como o próprio título do jogo sugere, subir num ranking, partindo da letra Z. Já nos primeiros minutos, dá para perceber que a Game Freak se esforçou para dar uma sacudida nas fórmulas estabelecidas em Legends: Arceus e Scarlet/Violet.
Com nítidas influências da série Xenoblade, criação da Monolith Soft, os ataques em Legends: Z-A são acionados em tempo real, enquanto a porrada rola solta, e têm um tempo de resfriamento até poderem ser usados de novo. Isso, por si só, representa um grande marco para Pokémon, pois incentiva o uso estratégico de toda a gama de golpes, incluindo os buffs passivos.
O jogador médio de Pokémon (e me incluo nessa), mais casual e que só joga para se divertir, sempre priorizou os ataques que causam o máximo de dano possível, negligenciando os chamados movimentos de status. Legends: Z-A, no entanto, estimula de maneira inteligente o uso dessas habilidades: enquanto os golpes de dano ainda estão em tempo de recarga, você pode interagir com as técnicas passivas que já estão ativas.
Ficar parado está fora de cogitação: você, como treinador, também é constantemente atacado. Pelo fato de as áreas de Lumiose serem mais estreitas (afinal, estamos em um centro urbano, não em um campo aberto, com vários biomas, como em Legends: Arceus), há menos espaço para desviar dos Pokémon, que circulam mais próximos uns dos outros, tornando seu personagem um alvo fácil.
A dificuldade é outro aspecto que me chamou atenção, justamente por não ser uma característica tão marcante da franquia. É claro que existem desafios difíceis de superar, em especial no pós-jogo dos títulos principais, mas nada se compara ao que temos aqui. Ainda mais com as adições das Megaevoluções, que injetam uma camada extra de complexidade.
Treinadores e Pokémon estão mais agressivos, e o combate, por flertar com ações em tempo real, intensifica o ritmo das coisas: não dá para pensar muito antes de agir. Farmar pontos de experiência, tal como em um bom RPG, é uma ação mais que necessária se você não quiser sofrer muito com os monstrinhos alheios. Agora que temos total controle das habilidades de um Pokémon (elas não são esquecidas), é igualmente importante saber montar a combinação das quatro técnicas titulares.
Sistema de captura mais dinâmico (e exigente)
A dinâmica de captura segue a cartilha estabelecida em Legends: Arceus e encoraja o jogador a pegar vários bichinhos da mesma espécie. As missões, aqui dadas no laboratório de Lumiose, estão de volta. Elas pedem que você realize tarefas simples, como capturar cinco Pokémon de fogo ou água, por exemplo, e concedem TMs de presente cada vez que você sobe no ranking de pesquisa.
Há pontos específicos no mapa para se engajar com os Pokémon (as Wild Zones, conforme comentei acima), mas também encontramos criaturas camufladas pela cidade. É comum se deparar com Kakunas pendurados em árvores, grupos de Trubbish próximos a depósitos de lixo e por aí vai. Nesse sentido, Lumiose ilustra muito bem como humanos e Pokémon podem coexistir em uma metrópole.
O twist no ciclo de pegar Pokémon é que agora eles somem se você não os captura de primeira. Na prática, isso significa que não dá mais para arremessar Pokébolas como se não houvesse amanhã, até que o bichinho se renda à sua obsessão. Pode soar como detalhe, mas esse ajuste deve mudar completamente a forma como passamos a abordar os Pokémon, especialmente quando estivermos tentando capturar um shiny.
Em relação à Pokédex, confesso que gostaria de ter visto mais Pokémon, porém o número não foge muito do que vimos em Legends: Arceus. São quase 250 criaturas, sem contar as Megaevoluções, cuja inclusão pode elevar esse total para perto de 300. Legends: Arceus e Legends: Z-A têm escopos parecidos nesse ponto.
Bom uso da verticalidade
Explorar Lumiose é o que você mais vai fazer de dia. Antes que se pergunte: sim, a aventura se desenrola toda em um único lugar e não dá chance para que você revisite outras regiões de Kalos, infelizmente. Em termos de extensão, o ambiente é um tanto limitado se o compararmos com mundinhos abertos de Legends: Arceus, mas tudo bem.
Por outro lado, o mapa é mais denso, reunindo uma quantidade maior de itens para coletar, NPCs, Pokémon e lojinhas para passear – ou seja, tudo em maior volume. A Game Freak soube aproveitar o pedacinho de terra que tinha em mãos e condensou de forma exemplar todas as atividades, na intenção de dar mais vida à cidade, tanto de dia quanto de noite. É impossível andar alguns metros sem se deparar com algo para interagir e se ocupar.
À medida que avançamos na história, Lumiose se expande com novas Wild Zones e pontos de interesse. Então, o que se vê no início, nas primeiras horas (que são bem arrastadas, vale pontuar), não é bem a “forma final” do mapa. Legends: Z-A ainda se beneficia da verticalidade de uma metrópole e torna, portanto, a exploração nos arranha-céus convidativa: há certos Pokémon que você só encontra no alto, inclusive. Seja no térreo ou nas partes elevadas dos edifícios, Pokémon é o que não falta para pegar.
Aspectos técnicos
Criticar a parte técnica dos jogos de Pokémon virou hábito comum na internet – e, nos últimos tempos, com toda razão. A Game Freak tentou se redimir nesse quesito e trouxe um game consideravelmente mais redondo, sem Pokémon sumindo do nada, bugs grosseiros ou NPCs que parecem estar presos em uma apresentação de slides do PowerPoint.
Legends: Z-A roda bem demais no Nintendo Switch 2, versão que utilizamos para testes, com resolução alta e livre de quedas e gargalos de frames. Acredite se quiser. Para você ter uma base de comparação, é a mesma fluidez das versões aprimoradas de Scarlet e Violet, cujo upgrade foi concedido gratuitamente a quem tem o console mais recente da Big N.
Lumiose já se mostrava promissora em X e Y, mas as limitações técnicas do 3DS a impediram de se apresentar como a grande metrópole que prometia ser no portátil. Em Legends: Z-A, Lumiose ganhou um banho de loja. Apesar do aspecto poligonal de suas construções, o mundo é vibrante e acolhedor, embalado por uma trilha sonora chique que, para mim, já figura entre as melhores da franquia. É uma pena, contudo, que Z-A careça de diversidade na composição visual: a monotonia do ambiente urbano cansa.
Os cenários internos, por sua vez, demonstram ter tido um cuidado especial e definem a elegância de Kalos. Até onde me lembro, Pokémon não recebia esse tratamento diferenciado em espaços fechados desde Pokémon Let’s Go, Pikachu! e Let’s Go, Eevee!. É reconfortante ver que a Game Freak tem olhado para os erros do passado, de modo que eles não se repitam, e também está tentando reintroduzir acertos de títulos anteriores.
Vale a pena?
Pokémon Legends: Z-A dá mais sentido às Megaevoluções e é, acima de tudo, um jogo sobre combate, sem amarras e disposto a fugir da mesmice. Lumiose é o palco ideal para o playground de rinha Pokémon: seu charme e densidade histórica evidenciam o quanto a geração de X e Y foi injustiçada. Só é triste que fiquemos restritos à cidade principal, quando há dezenas de localidades incríveis em Kalos que poderiam agregar à experiência.
Nota: 85
Prós (pontos positivos):
A história é boa e dá sentido às Megaevoluções;Ajustes revitalizam o combate e abrem novas possibilidades de estratégia;Mapa denso, expansivo e repleto de atrativos, apesar de limitado em extensão;Ciclo viciante: explore de dia, lute de noite;Dificuldade no ponto certo;Trilha sonora absoluta, o que há de melhor na franquia.
Contras (pontos negativos):
Sem textos em português, para variar;Pokédex um tanto contida, ainda que dentro do escopo de Pokémon Legends;Como Lumiose é um centro urbano, a monotonia visual dos prédios cansa um pouco.
Uma cópia de Pokémon Legends: Z-A foi gentilmente cedida pela Nintendo para o propósito de análise no Nintendo Switch 2. O jogo também está disponível para Nintendo Switch.