Selvaggio Blu, uma jornada para o corpo e a alma

Todos os anos, um grupo de 16 amigas de diferentes países e eu nos reunimos para desbravar algum canto especial do mundo. É uma tradição que já dura mais de duas décadas e nos dá muito prazer.

O encontro deste ano, na Sardenha, foi ainda mais incrível. Escolhemos a região de Selvaggio Blu pela mistura de paisagens deslumbrantes, desafios e sua pegada wellness. Além de ser uma das rotas de trekking mais famosas da Europa, a região faz parte das Blue Zones – lugares onde a população nativa tem muita qualidade de vida e frequentemente chega aos 100 anos.

Não foi difícil entender o porquê ao ouvir nossos guias contando histórias sobre suas próprias famílias ao longo da viagem. No centro de tudo: uma dieta mediterrânea equilibrada, com frutas e vegetais frescos, queijos de ovelha, azeite de oliva como fonte de gordura e pouca carne ou comida processada. 

A conexão com a natureza e a vida ativa também têm um papel importante nessa equação. Ao praticar tarefas como cuidar de ovelhas e cabras em terrenos inclinados, descer e subir escadas em cidades encostadas na montanha, ou cultivar um jardim, os locais mantêm o esforço físico em dia.

Há ainda a presença marcante dos laços familiares, que são bastante valorizados, e das tradições locais. São elas que mantêm vivos os sentimentos de pertencimento e propósito, essenciais para manter o bem-estar mental.  Por fim, dizem que, por estarem mais isolados, os sardos desenvolveram um gene que favorece a longevidade.

Em todos os momentos, a temporada na Sardenha nos mostrou esse modo de vida imerso na paisagem local – e os desafios geográficos que isso traz.

No primeiro dia, nossos guias nos levaram de jipe ao lindo Valle di Lanaitto. Começamos a caminhada com uma subida de 600 metros ao Monte Tiscali, onde encontramos um fascinante sítio arqueológico com casas nurágicas, provavelmente construídas entre os séculos XV e VIII a.C.

Fiquei fascinada pela bacia natural que se formou no topo desta montanha tão remota. Invisível de fora, a formação foi um dos principais motivos pelos quais a comunidade do Monte Tiscali conseguiu manter sua independência durante o período de invasões. 

Já no Cânion Gorropu, encontramos um desfiladeiro de 350 metros de profundidade. Caminhamos por 7 km ao longo do rio Flumineddu, com sua água cristalina, e escalamos o penhasco até o limite. A sensação era de estarmos no meio de uma catedral gigante, cercada por paredes brancas e ocres. 

À tarde, uma sessão de alongamento na beira do rio relaxou os músculos cansados, enquanto assistimos o sol se por detrás das rochas gigantes. Foi um momento de pura gratidão! (E meu Garmin indicou a força de um grupo que enfrentou, junto, 19 quilômetros percorridos.)

Outra trilha marcante foi a descida rumo à famosa Cala di Luna, uma praia de areia branca cercada por cavernas – e o único lugar da viagem onde encontramos outros turistas.  Cada passo requereu muito cuidado, e quando sentíamos as pedras mais escorregadias, soltávamos nossa palavra de alerta: “Schiavolo!” (‘escorregadio’ in italiano).

Mas o visual compensou: mergulhamos em águas turquesas e desfrutamos de uma sessão de ioga dentro de uma caverna. (Já o retorno em um barco público – em que conseguimos não perder nenhuma das 16 mulheres – foi uma aventura divertida por si só.)

Ao longo da temporada, exploramos trilhas repletas de pedras e vegetação nativa, passando por pinnettas – os abrigos tradicionais de pastores – cercadas por vaquinhas, burros, cabras e, claro, vistas exuberantes da Costa Sarda e do mar.

Para finalizar, um último dia marcante: fomos de jipe até o Golgo Plateau, no Supramonte, onde recebemos capacetes e equipamentos de abseiling, aquele rapel em que você desce uma rocha pendurado por uma corda. 

Neste dia, deixamos os hiking sticks no hotel: era preciso usar as próprias mãos para encarar os caminhos mais desafiadores. Com guias experientes, enfrentamos trilhas precárias com descidas íngremes, passamos por túneis baixos e cavernas escuras, e descemos grandes abismos até chegar na majestosa Grotta Del Fico. (Olhar para baixo sem medo foi desafiador.)

Para além das lindíssimas paisagens, a culinária sarda foi outro ponto alto da viagem, e uma experiência cultural muito enriquecedora. Nossos lanches eram servidos em pontos estratégicos, com vista para o mar turquesa, e preparados com muito cuidado pela mãe de um dos guias. 

Era uma comida local, leve, saudável e artesanal. Em uma das noites, degustamos pratos de mariscos frescos à beira-mar. Em outra, provamos a famosa porchetta grelhada no fogo a lenha, na casa de um pastor local. 

Destaco também o Ristorante Ispinigoli, que se transformou no nosso favorito pela comida autêntica e saborosa. Tanto é que exageramos na quantidade ao provar as delícias do cardápio, acompanhadas por vinhos Vermentino e Grotta Rossa, ricos em antioxidantes. (Aprendemos com os locais centenários que beber vinho tinto em pequenas quantidades faz bem à saúde.)

Por tudo isso, nosso tempo em Selvaggio Blu foi mais que uma viagem. Foi uma jornada de amizade, superação e reconexão. Retornamos com o corpo cansado e a alma renovada, e com a certeza de que a amizade é uma âncora que nos permite explorar o mundo – e a nós mesmas.

Susanna Lemann é co-fundadora da Matueté, uma produtora especializada em viagens sob medida.

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