As mudanças competitivas e regulatórias que atingiram o setor bancário nos últimos anos apagaram cerca de sete pontos percentuais do ROE dos bancões — e a queda na rentabilidade veio para ficar.
Essa é a visão da Absoluto Partners, que enviou uma carta a seus cotistas destrinchando o futuro dos grandes bancos.
A gestora de José Zitelmann e Gustavo Hungria tem R$ 7 bilhões em ativos sob gestão e uma exposição ao setor financeiro via BTG e Nubank, cuja tese a gestora detalhou numa carta recente.
“Apesar de reconhecermos que alguns players estão sofrendo com fatores conjunturais, como a qualidade de crédito, entendemos que a queda de rentabilidade tem caráter preponderantemente estrutural, uma vez que os detratores não devem ser amenizados à frente,” disse a gestora.
Na carta, a Absoluto citou o aumento da concorrência, que começou no segmento de adquirência mas já se estendeu para investimentos, cartões e conta corrente — com novos entrantes chegando a um market share de mais de 10% nesses segmentos.
No front regulatório, a Absoluto lembrou do teto do intercâmbio do cartão de débito, implementado em outubro de 2018; do teto do juros do cheque especial, em janeiro de 2020; e da extinção do overhedge um ano depois. Outras duas pressões regulatórias foram a criação do PIX, que comprimiu as receitas com TED e DOC, e o aumento do IR dos bancos de 40% para 45% em março de 2020.
Nas contas da Absoluto, todos esses ventos contrários tiraram de seis a sete pontos percentuais do ROE dos grandes bancos desde 2019.
Para chegar nesse número, a gestora expurgou a contribuição de fatores que estavam presentes na rentabilidade dos bancos em 2019 e foram extintos desde então. Nos fatores que foram parcialmente suprimidos, como a anuidade dos cartões e a tarifa de conta corrente, a Absoluto calculou a diferença entre a contribuição atual para o ROE e a contribuição que eles tinham em 2019.
“Conforme os headwinds conjunturais penalizem menos o setor, esperamos que a baixa rentabilidade de determinados bancos possa ser motivo de surpresa, demandando respostas mais incisivas de sua gestão,” diz a carta.
No passado, havia uma crença de que qualquer adversidade dos grandes bancos era compensada pelo aumento das tarifas ou dos spreads — o que fazia os retornos convergirem para os níveis anteriores.
Agora, no entanto, isso não é mais verdade, dado que as adversidades têm caráter concorrencial, o que dificulta o repasse de preços, segundo a Absoluto.
“Não acreditamos mais em ‘mean reversion’ de ROE dos bancos. Temos a crença que a resposta para os desafios deva ser por meio da alavanca de custo, já que as alternativas para fomentar a receita são limitadas.”
A gestora tentou calcular a magnitude do corte de custos que os bancões teriam que fazer para compensar essas perdas de receita e manter o mesmo nível de ROE.
Hoje, a base de custos dos três maiores bancos privados (Bradesco, Itaú e Santander Brasil) é de cerca de R$ 150 bilhões.
“Considerando que o lucro antes de impostos desse grupo é de R$ 85 bilhões, cada 1% de queda de despesas levaria a quase 2% de incremento de lucro. Em outros termos, um corte de 5% resultaria em um ganho de 1 ponto percentual de ROE na média do setor,” diz a carta.
Com essas premissas, para mitigar o impacto de seis a sete pontos percentuais no ROE, os bancões teriam que fazer um corte de custos de entre 20% a 30% – “um senhor desafio,” diz a Absoluto.
Na carta, a gestora não entrou no mérito se essa queda estrutural do ROE já está precificada nas ações, mas Zitelmann disse ao Brazil Journal que acha que o mercado não está tão atento a isso. “Essa necessidade de cortar de 20% a 30% dos custos do banco de varejo acho que quase ninguém está vendo,” disse ele.
É verdade que os bancos já estão cortando custos fechando agências, que são cada vez menos necessárias no contexto de mercado atual e (ainda) um centro de custos relevante.
A Absoluto acha, no entanto, que isso não será suficiente para chegar no corte total necessário.
A gestora estima que o custo direto de uma agência seja de entre R$ 1 milhão e R$ 2 milhões por ano. “Dessa forma, o custo direto com o parque de agências representa apenas entre 5% e 10% das despesas dos bancos, sendo uma parte importante, mas insuficiente, dos esforços de readequação do modelo de negócios.”
Desde 2019, o número de agências já diminuiu em 20%. Mas os custos continuaram crescendo, ainda que bem abaixo da inflação — 12,7% no acumulado do período, em comparação a uma inflação de 27,8%.
Dada a urgência e a magnitude da revisão necessária, a Absoluto acredita que o processo de corte de custos possa ocorrer de forma desorganizada “e, quase que inevitavelmente, envolver ‘cortes na carne’.”
“E o desafio é fazer isso sem que isso impacte na qualidade do atendimento e nas receitas, entrando numa espiral ainda mais negativa,” disse Zitelmann.
A maior parte do desafio, segundo a Absoluto, está na baixa e média renda. Hoje, o ROE dos bancões ainda é muito alto na alta renda, mas próximo de zero na baixa/média renda e entre os não-correntistas. “É aí que o modelo de banco digital, com custos super baixos, se mostrou vencedor,” disse o gestor.
A gestora disse ainda que alguns players podem optar por não encarar de frente essa agenda de eficiência por conta dos riscos envolvidos, aceitando conviver com retornos menores.
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