Cédric Grolet: o chef confeiteiro que trocou os críticos pelos likes (brasileiros)

PARIS – Não é difícil esbarrar, no feed do Instagram ou do TikTok, com vídeos em que um confeiteiro estala os dedos e transforma frutas em doces com um aspecto hiper-realista de… frutas.

À frente das câmeras está Cédric Grolet, um premiado chef pâtissier francês alçado à fama pelas redes sociais — e que tem no Brasil seu segundo maior público.

Foi graças ao engajamento brasileiro, inclusive, que Grolet foi escalado para ser a estrela da campanha de Natal da Hering. Primeiro, publicou um vídeo em que prepara uma versão autoral de um chocotone ao lado da atriz Bruna Marquezine, a embaixadora da marca. (O material alcançou 55 milhões de visualizações no Instagram em uma semana.) 

E em 10 de dezembro, o francês desembarca em São Paulo para novas ativações com a marca, incluindo visitas ao Mercado Municipal e a uma feira de rua para conhecer as frutas brasileiras.

Mas ao contrário de muitas webcelebridades, Grolet está longe de ser um exército de um homem só. Sua operação já está em 13 endereços – sete hotéis, seis lojas – e conta com cerca de 500 funcionários, em um esforço crescente para saciar seus quase 12 milhões de seguidores no Instagram e 8,5 milhões no TikTok.

Mesmo que isso signifique que a crítica gastronômica francesa, que aplaudiu sua ascensão de pé, agora torça o nariz.

Aos 39 anos, Grolet, nascido na pequena comuna de Firminy, no leste da França, já trabalha há mais de 30. Começou aos 7, no restaurante do hotel de um dos seus avôs, lavando louça e tirando mesa. Do outro avô, que era pintor, diz ter puxado o interesse pela composição de cores e formas.

Sem aptidão para a escola, tornou-se aprendiz de padeiro aos 13 e, após enveredar pelo mundo da pâtisserie, não olhou mais para trás. Frequentou a prestigiada École Nationale Supérieure de Pâtisserie, em Yssingeaux, e desembarcou em Paris aos 21, para trabalhar na histórica delicatessen Fauchon.

Ali, fez macarons até cansar e aperfeiçoou suas técnicas de confeitaria e de desenvolvimento de produtos sob o comando do chef Christophe Adam. Depois, já com mais moral, passou a viajar para montar e treinar equipes em outros países, outra forma de ampliar seu repertório.  

Em 2011, com cinco anos de labuta em Paris, foi contratado para integrar a equipe de confeitaria do icônico hotel Le Meurice, onde está até hoje.

Novamente, não demorou a chamar atenção. Levou dois anos para chegar ao posto de chef pâtissier da casa e, com a chegada do lendário Alain Ducasse para chefiar o time, ganhou a chance de sua vida: criar as sobremesas do menu da casa.

“Sou uma esponja ao lado dele, ouvindo seus conselhos e os absorvendo,” Grolet disse ao Brazil Journal. “Mas nossas conversas sempre foram muito mais sobre gestão de carreira e negócios do que gastronomia.” 

Ducasse pediu a Grolet que tentasse fazer sobremesas não tão doces, buscando realçar os sabores naturais dos ingredientes. 

E foi aí que nasceram as “frutas”, inspiradas na alimentação de sua infância e feitas com casca de chocolate, uma leve mousse nas extremidades e recheio de geleia pedaçuda. Por fora, cores e truques de perspectiva, aplicados com a técnica artística trompe-l’oeil, conferem o aspecto hiper-realista aos doces.

Maravilhada com as criações de Grolet e surpresa com sua falta de presença nas redes sociais, uma funcionária do Le Meurice criou um Instagram para o chef e postou a primeira foto do perfil: uma flor roxa de chocolate.

O homem explodiu.

Entre 2015 e 2018, empilhou seguidores e prêmios e foi coroado o melhor chef de confeitaria do mundo pelo 50 Best. “Nesse ponto, decidimos escutar o público, que queria ter acesso aos doces do Le Meurice em casa,” disse. Abriu sua primeira loja no mesmo ano, em parceria com o hotel e foco nas “frutas”.

Público e crítica estavam aos seus pés. As filas à frente da Le Meurice Cedric Grolet só cresciam e, segundo jornalistas que acompanharam sua trajetória, o chef foi classificado pela mídia especializada na época como “inovador”, “fenômeno” e até “revolucionário”. 

“Ele transformou o mercado de confeitaria sozinho,” me disse um crítico francês.

Inaugurou mais um empreendimento (dessa vez solo) em 2019, a Cedric Grolet Opera, acompanhado de um novo conceito: as “flores”. Nesse caso, bolos e tortas com cores e sabores diversos e decoração com aspecto de pétalas. Resultado: mais filas, mais seguidores e oportunidades de negócio ao redor do globo.

Seguiram-se aberturas em Londres, Singapura e Saint-Tropez, e ao mesmo tempo uma adaptação importante à sua estratégia digital. Com forte presença online mas sem um formato de conteúdo definido até então, Grolet se sentia sobrecarregado e sem ideias. Decidiu fazer o básico: vídeos de receitas com “um toque de mágica” nas transições. Assim, num estalar de dedos, padronizou sua comunicação institucional.

Outra coisa que mudou ao longo tempo foi seu estilo. As dólmãs de chef foram perdendo espaço para roupas de streetwear como camisetas ‘oversized’, tênis e boné. Tatuagens e barba também compõem o look.

Grolet afirma que a frequência com que posta afeta diretamente as vendas de suas lojas. E, para postar, precisa ter sua cara à frente das câmeras. “Mas não gosto de reclamar e trabalho muito. Hoje em dia faço o que é preciso, não o que eu quero,” disse. Vale notar que “trabalho” foi a palavra que o chef mais repetiu durante conversa de cerca de uma hora com o Brazil Journal.

Ele não revela, no entanto, quantos doces de sua marca são produzidos e vendidos diariamente. “Todo mundo quer saber, mas nunca vou revelar.” 

O que dá para intuir é que esse número cresceu em 2024, após a inauguração do Cédric Grolet Café, novo endereço em que as estrelas são o croissant-donut (fusão das duas massas) e o cookie-pizza (fatias de biscoito que, juntas, formam um torta). Só que o sucesso de público, dessa vez, não veio acompanhado de aclamação da crítica.

“Grolet conquistou os corações dos parisienses em 2018, mas agora há uma sensação de esgotamento,” me disse um jornalista francês. Segundo ele, o elemento surpresa desapareceu e suas lojas estão predominantemente lotadas de turistas. “Ele está claramente visando os turistas americanos.”

Já um blogueiro do segmento opina que os parisienses que adoram pâtisserie não recorrem mais aos doces de Grolet pois são mais caros e não superam os da concorrência em sabor.

“Não como um doce dele há anos,” disse o editor de outra publicação especializada.

Grolet dá de ombros.  Diz que falam das suas criações há 10 anos, mas que as filas continuam crescendo e há muita clientela satisfeita, que sempre volta para comer mais. 

(Em um dia frio de novembro, cerca de 30 pessoas aguardam na fila a oportunidade de comprar uma “fruta” na loja Le Meurice. Um segurança organiza o processo, para tentar evitar que o trânsito de pedestres seja prejudicado. Os que compraram seus produtos previamente online têm uma fila distinta e menor. Entram quatro ou cinco pessoas na loja de cada vez e, após montar cada encomenda, a atendente mostra a caixa aberta ao cliente como quem apresenta joias. A embalagem e a sacola são cinza chumbo com detalhes em branco, simulando um padrão de mármore. O nome e a logo de Grolet aparecem em dourado.)

Ele acrescenta que poderia abrir mais 10 lojas, mas a prioridade agora é manter o padrão de qualidade.

“Quero fidelizar colaboradores, porque o trabalho que realizamos é minucioso, melhorar processos. Fazer pâtisserie para o Instagram é diferente de ter um negócio de pâtisserie.”

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