Promessa é dívida.
Em 2009, os países ricos se comprometeram a financiar a descarbonização dos países pobres com US$ 100 bilhões por ano.
Faltou registrar em cartório.
O compromisso foi feito na COP, a conferência climática da ONU, realizada na Dinamarca. Às vésperas da COP29, que começa semana que vem no Azerbaijão, o Sul Global ainda cobra o combinado. Mesmo considerando os financiamentos já planejados, a meta não foi alcançada.
Nesses 15 anos, para piorar, o cenário mudou radicalmente. O valor acordado em Copenhagen, hoje, se mostra insuficiente para dar conta do desafio de reduzir as emissões de gases de efeito estufa e conter as mudanças climáticas – uma conta estimada em US$ 8 trilhões anuais, segundo estudo comissionado pelo G20.
Ativistas climáticos são céleres em apontar a falta de compromisso ambiental dos ricos como o motivo para a inação.
Há, no entanto, uma justificativa plausível por parte dos países mais ricos: a falta de mecanismos financeiros adequados. O “como fazer” estaria emperrando o processo.
Encontrar uma solução para os ricos honrarem o compromisso é uma das principais pautas trabalhadas pela presidência brasileira do G20, que se encerra ao final de novembro.
Os debates produziram dois papers, com recomendações do setor privado e da academia. A boa notícia é que, a princípio, empresas e governos estão na mesma página.
As recomendações do setor privado estão reunidas em um relatório do B20, fórum empresarial que ocorre paralelamente ao G20. O trabalho foi capitaneado por Luciana Ribeiro, a sócia da eB Capital.
“Eu tinha 11 co-chairs e quase 200 contribuidores de países diferentes, sendo que alguns estão em guerra – literalmente,” Luciana disse ao Brazil Journal. “Nada poderia ser incluído no texto sem consenso.”
Em linhas gerais, o documento pede a revisão do papel dos bancos de desenvolvimento locais e regionais, a aceleração do processo de aprovação de projetos de infraestrutura de interesse social e a inclusão de pequenas e médias empresas nas cadeias de suprimento globais.
O foco central das medidas é a redução do risco para o capital privado, que, por sua vez, arcará com a maior parte dos investimentos. Isso seria obtido por meio de mecanismos como o blended finance, modelo em que capital público ou privado é utilizado como forma de reduzir os riscos iniciais em projetos de infraestrutura ou sociais.
Um dos indicadores de performance propostos no documento é a capacidade do investimento público atrair capital privado. Hoje, US$ 1 do público atrai US$ 1,8 do privado. A meta é atrair US$ 9.
Com isso, o fluxo de investimentos privados para projetos climáticos nos mercados emergentes passaria de US$ 195 bilhões, no ano passado, para US$ 1,6 trilhão em 2030.
O segundo relatório, comissionado pela presidência brasileira do G20, teve à frente a economista italiana Mariana Mazzucato, professora da University College of London. Seu relatório apresenta contrapontos a algumas bandeiras empresariais, como a de que o mercado, por si só, é capaz de precificar as externalidades climáticas e garantir que sejam mitigadas.
Isso se verifica, por exemplo, na questão da blended finance. O relatório afirma ser um “mito” a ideia de que este modelo seja sempre mais barato. “Blended finance pode levar a custos de longo prazo mais elevados, comparado ao investimento público, particularmente em países de média e baixa renda,” alerta o documento.
O B20, por sua vez, quer multiplicar por 25 o volume de recursos públicos injetados por meio de blended finance, de US$ 1 bilhão no ano passado para US$ 25 bilhões em 2030.
Apesar da ressalva, as recomendações do G20 estão alinhadas com as demandas do B20.
Mazzucato também vê nos bancos de desenvolvimento um importante vetor de financiamento, e preza pela inclusão das pequenas e médias empresas na cadeia global de suprimentos.
O professor de economia da PUC-Rio e diretor executivo do Climate Policy Initiative (CPI/PUC-Rio), Juliano Assunção, aponta que houve nos últimos anos um aumento expressivo no financiamento climático para uso da terra no Brasil.
Entre 2021 e 2023, a média anual verificada bateu R$ 88 bilhões, duas vezes e meia maior que o registrado no período de 2015 a 2020.
A mola propulsora desse aumento, no entanto, tem sido financiamento doméstico (público ou privado), responsável por 97% dos recursos mapeados.
“Há uma dificuldade em se deslocar o fluxo do capital estrangeiro para onde ele é necessário,” diz o professor, um dos coautores do relatório de recomendações do G20.
Para o mercado, o problema está na percepção de risco dos estrangeiros. “Tecnicamente, o risco dos projetos de infraestrutura nos países do Sul Global é semelhante ao dos países do Norte, porém a percepção é de um risco maior por razões não relacionadas ao projeto em si, como a política,” diz Tatiana Sasson, head de impacto da Lightrock, uma gestora de investimentos de impacto.
Assunção não enxerga dessa maneira. “Risco não é um problema para o setor privado, ou não teríamos as grandes empresas de tecnologia,” afirma. “A questão é que ainda não se compreendeu a urgência da pauta climática.”
Percepção ou conscientização, o fato é que a mobilização de recursos está aquém do esperado. “Em um contexto no qual a demanda por recursos é cinco vezes o disponibilizado atualmente, todos precisam atuar, incluindo governos, setor privado e bancos multilaterais de desenvolvimento,” disse Morgan Doyle, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Doyle destaca que as discussões lideradas pelo Brasil no G20 devem se estender para a COP29, que tem como uma das pautas revisar a meta global de financiamento. No entanto, o histórico da promessa mostra que, mais do que o quanto, é importante resolver quem paga a conta, e como.
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