O mercado de arte virou – e pegou a Sotheby’s de calça curta

A Sotheby’s — uma das maiores casas de leilão do mundo — surfou como ninguém o boom do mercado de arte dos últimos anos, com um faturamento de mais de US$ 7 bilhões e batendo recordes sucessivos com artistas como Gustav Klimt e René Magritte.

Agora, a maré virou — e a situação da Sotheby’s inspira cuidados.

Segundo o The Wall Street Journal, a companhia está com pouco caixa, tendo que alongar os pagamentos para transportadores e outros fornecedores em mais de seis meses.

Numa reunião este mês, alguns executivos da companhia chegaram a se mostrar preocupados com a capacidade de continuar pagando seus funcionários em dias, uma fonte disse ao WSJ.

A vertical de leilão de arte da Sotheby’s teve um prejuízo de US$ 115 milhões no primeiro semestre, em comparação a um lucro de US$ 3 milhões no mesmo período do ano passado.

A geração de caixa operacional dos últimos 12 meses até junho foi de US$ 144 milhões, uma queda de 43% na comparação anual.

“A crise na Sotheby’s vem num momento em que todo o mercado de arte está sofrendo. No último ano, colecionadores que veem a arte como um ativo financeiro se retraíram na medida em que as altas taxas de juros e a inflação tornaram mais caro negociar arte,” diz o Journal.

Já os compradores de arte contemporânea “também sofreram um choque depois de anos pagando preços cada vez mais altos por artistas emergentes — que podem nunca se pagar.”

O jornal nota ainda que algumas pequenas galerias — que dependem de colecionadores para validar seus artistas desconhecidos — fecharam as portas, enquanto dealers têm reportado vendas fracas em feiras.

A Christie’s, a principal concorrente da Sotheby’s, também tem sentido o baque, com suas vendas na vertical de leilões caindo quase um quarto no primeiro semestre.

O buraco da Sotheby’s, no entanto, é mais embaixo — já que além de sofrer com a queda nas vendas, a empresa carrega um endividamento muito alto.

Segundo o WSJ, a companhia hoje tem uma dívida de mais de US$ 1,8 bilhão — o dobro do que tinha quando foi adquirida pelo bilionário franco-israelense Patrick Drahi em 2019.

A situação de Drahi também é complexa. Dono do conglomerado de telecomunicações Altice, com operações nos Estados Unidos e Europa, ele é conhecido por ter tomado uma montanha de dívida para construir seu império.

O problema: o empresário endividou o negócio quando as taxas de juros estavam baixas, e agora que elas subiram está tendo que vender partes desse império para reduzir uma dívida de mais de US$ 60 bilhões.

No mês passado, por exemplo, Drahi vendeu 24,5% do BT Group para o Bharti Enterprises numa operação de quase US$ 4 bilhões.

Na Sotheby’s, ele usou uma estratégia parecida. Quando comprou o negócio, por US$ 2,7 bilhões, o empresário levantou US$ 1,1 bilhão em novos bonds e empréstimos para financiar a transação, além de assumir parte das dívidas existentes de US$ 1 bilhão.

De lá para cá, o homem gastou como se não houvesse amanhã, incluindo a compra do edifício Breuer em Nova York — que já abrigou o Whitney Museum of American Art — por US$ 100 milhões; e a renovação de espaços de varejo de luxo em Hong Kong e Paris.

Enquanto fazia tudo isso, Drahi retirava recursos da Sotheby’s via dividendos. “No total, a Sotheby’s pagou US$ 1,2 bilhão em dividendos para uma companhia controlada por Drahi desde a aquisição,” diz o Journal.

O mau momento da empresa levou a Moody’s a rebaixar o rating de suas dívidas para B3, um dos níveis mais baixos de ‘junk debt’.

Um dos motivos foi justamente o pagamento de dividendos da companhia. “O downgrade também reflete questões de governança, particularmente a decisão da companhia de continuar pagando dividendos em 2023 apesar da deterioração da performance,” disse a agência.

A Standard & Poor já havia rebaixado o crédito da Sotheby’s para o território de ‘deep junk’ em junho.

Mas nem tudo pode estar perdido para a Sotheby’s, que pode ser salva pelos árabes. No início do mês passado, Drahi anunciou que fechou a venda de uma participação minoritária na companhia para o ADQ, um fundo soberano de Abu Dhabi que fará um aumento de capital US$ 1 bilhão na empresa.

Mas o dinheiro ainda não entrou.

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